PARA ENTENDER A
OBRA
Claro Enigma
, publicado em
1951, apresenta um poeta desiludido com o mundo, que na época estava dividido
entra capitalistas e socialistas, e questionador da existência, partindo da própria dualidade contrastante
como princípio para a dúvida. Seu estilo remonta ao clássico, com métrica e
rimas bem trabalhadas. Este resumo destina-se a contar o livro em uma linguagem
mais acessível e concisa, sem deixar de lado os episódios que sustentam a obra
como um todo e explicando alguns pontos que podem não ficar claros apenas com a
leitura do texto original. Em alguns casos, para explanações mais completas
sobre fatos históricos e expressões da época, há links que podem ser acessados
diretamente no texto. Principais características de Claro Enigma
A obra e o
Modernismo:
A linguagem
utilizada nos poemas de Claro Enigma é culta, elevada, destoando da proposta
moderna de aproximar a linguagem literária da linguagem coloquial, forçando
você a consultar o dicionário com frequência.
Da mesma forma,
os poemas de Claro Enigma, na sua maioria, retomam as formas clássicas da
poesia, como a estrutura de Soneto, os versos com rimas e métricas regulares,
além de elaborados recursos linguísticos.
Claro Enigma se
caracteriza como uma das obras mais eruditas e herméticas (de difícil leitura)
de Drummond. Dessa forma, ter paciência e persistência é fundamental para a
abordagem destes poemas, somados à observação do contexto histórico e das
características de estilo apresentadas acima.
Claro Enigma é
composto por 41 poemas divididos em seis partes.
ENTRE O LOBO E O
CÃO
O título “Entre
Lobo e Cão”, traduz a ideia de uma luz crepuscular a qual ilumina de maneira indefinida causando confusão entre os
dois animais. Indecisão, sendo que o lobo é um animal que não cria convivência
com seres humanos, e o cão por sua vez é um animal companheiro do homem.
(Aproximação x isolamento) endo a seção mais extensa da obra, Entre Lobo
e Cão tem por intenção expor a oscilação, o extremismo: de um lado o cão, amigo
do homem, animal domesticado e fiel; do outro o lobo, animal totalmente avesso
ao convívio social, altamente desconfiado e predador por natureza. Como se
Drummond tivesse a necessidade de escolher entre a companhia e a solidão, a
alegria e a melancolia. Os poemas dessa seção trazem grande tom de negativismo,
decepção e luto.
.
Dissolução
Em dissolução, é
possível extrair um sentimento de imobilidade do eu lírico frente à escuridão.
Este recebe a noite sem qualquer perspectiva, um vazio existencial.
Cita uma “rosa
pobre definitiva”, entendida como falta de esperança sobre um futuro amanhecer.
Remissão
”Remissão” é
sinônimo de “perdão”. O envelhecimento do homem nesse trecho é bem
retratado, o
tempo que causa perdas inevitáveis aos seres. Composto por versos decassílabos
que revelam um eu lírico descrente e pessimista em relação à sua existência.
Vocabulário clássico.
A Ingaia Ciência
A arte poética
na cultura provençal era chamada de “Gaia Ciência”, tendo relação com
a alegria de
obter a sabedoria. Drummond acrescenta o prefixo propositalmente (INgaia)
mudando o
sentido e expressando sua opinião sobre o desprazer que é obter maturidade,
e o quanto isso
torna o mundo infeliz. A “cela” citada, é a ideia de um mundo “quadrado”, sem
olhar para novos horizontes. Vocabulário clássico e versos
decassílabos.
Legado
Drummond
questiona a sobrevivência de suas poesias, falando sobre seu país do qual
guarda inúmeras lembranças e de este que nunca se recordará dele. Orfeu, deus
da
mitologia grega,
é citado em contraste com a aparição “monstros atuais”
que são
entendidos como opostos de Orfeu, os quais compreendem poesias como tristes e
incertas.
Promove uma
intertextualidade com um poema de sua autoria: Meio do caminho. “De
tudo quanto foi
meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma
pedra que havia em meio do caminho.”
Confissão
Intertextualidade
com um dos 10 mandamentos: “Amarás ao próximo como a ti mesmo”. A poesia não
pede por perdão, apenas supõe que a f
alta de
preocupação com o próximo trouxe a si
mesmo vazio e falta de carinho recebido. Sente peso por não ter criado para si
uma realidade mais afetuosa.
Notícias
Amorosas
Seção dedicada
ao tema romântico, mas focado no amor desencontrado, amor de sofrimento e
contemplação, de admiração e dificuldade, o amor que se encontra próximo e
distante, facilmente tocável e dificilmente conquistável. É retratado nos
poemas como uma condição humana, da qual não se pode fugir, mesmo que
aparentemente não seja atraente ou sedutor.
O Menino e os
Homens
Dando
continuidade ao tom negativo e pessimista, Drummond permeia essa seção com
poemas memorialísticos, relembrando irmãos, amigos e entes falecidos. Foca-se o
antagonismo da presente no destino do ser humano. A mor e a vida como duas iminentes
e antagônicas faces da vida. A morte é retratada como um destino certeiro, ao
qual todos estamos condenados desde o nascimento. Nas entrelinhas fica o
questionamento do autor: como aproveitar a vida lidando com a proximidade de
seu fim?
Selo de Minas
Seção
confessamente autobiográfica. Divide-se entre a família Drummond e o Estado de
Minas. Traça o percurso dos caminhos mineiros, em especial a Minas existente no
período colonial. Lamenta a destruição que as calamidades naturais e o tempo
exercem sobre as casas e patrimônios de Ouro Preto, utilizando o desmoronamento
das casas como uma alusão à sua própria história.
Lábios Cerrados
O ato de cerrar
os lábios é utilizado como sinônimo de mudez, silêncio. Por ser uma seção que
retrata a memória da família de Carlos Drummond de Andrade, é visto como um
silêncio da memória, em especial nas lembranças de seu pai. Seguindo o
negativismo e pessimismo quase enlutado da obra, é feita uma profunda reflexão
sobre a aceitação da morte e sua ligação com o tempo, o prometido remédio para
todas as dores emocionais e psicológicas. Discorre sobre as pessoas que
partiram, mas que sobrevivem eternamente em lembranças. O presente que insiste
em estar preso ao passado. A ausência e presença dos conhecidos que já faleceram.
A Máquina do
Mundo
Como última
seção do livro, discorre sobre o homem e sua estadia no mundo. Todas as
interrogações feitas na obra estão presentes nessa seção, onde as soluções são
oferecidas e prontamente recusadas, pois para o poeta, ‘são os questionamentos
que movem a vida’. Nessa parte do livro encontra-se um poema com o mesmo nome
da seção, o qual foi eleito o maior e melhor poema do século XX. Desde a
Antiguidade até a Renascença esteve presente a ideia de que o mundo era, de
fato, uma máquina. No poema, essa máquina se abre para o autor e lhe oferece
uma “total explicação da vida”. Se por muito tempo ele havia buscado respostas
para suas indagações sobre a vida, a morte e o mundo, agora desdenhava
enigmaticamente do que poderia descobrir. Para Drummond, as respostas não eram
mais desejadas, e sequer eram acreditadas como uma possibilidade. Essa
explicação era vista por ele como um novo mergulho em uma ilusão, utilizando de
sua ironia e liberdade para se justificar e seguir lidando com as indagações que
o atormentavam.
Perguntas em
forma de cavalo-marinho
O título é
metafórico devido ao formato do cavalo-marinho e o do ponto de interrogação que
são semelhantes em suas curvas. É feita uma série de questionamentos sobre a
própria existência em versos. A primeira estrofe interroga a métrica e forma do
ser, diferente da terceira que formam perguntas mais abstratas (memórias e
desejos). Versos tetrassílabos.
Os animais do
presépio
Composto por
versos brancos de 6 sílabas. Possível identificar o eu lírico criando relações
com os animais devido aos seus traços de personalidade e enxerga isso como algo
positivo. Em certos trechos expressa que quando se limita, assemelha-se à um
burro, quando se concentra, à um boi (representa sabedoria, paciência).
Sonetilho do
falso Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
é conhecido pela criação de seus heterônimos (falsas identidades) o que foi
exatamente o ponto de critica nesse trecho de Drummond. Oposição de ideias é a
composição dos versos (nasci x morri). São chamados oximoros estas
contraposições existentes, significados opostos lado a lado, os quais criam um paradoxo que reforça o significado das
palavras combinadas. As trocas de ideias são
proporcionais às trocas de personalidade de Fernando Pessoa. O tal
Fausto citado, é pertencente à uma lenda alemã na qual este cede sua alma ao
diabo, Mefisto, também citado, em troca de não envelhecer. Pode ser
interpretado como uma morte que trouxe a vida, assim como os heterônimos.
Um boi vê os
homens
Neste poema, o boi observa e descreve o homem
de uma maneira bem desequilibrada. Aspectos negativos como crueldade, agitação,
vazio e sentimentos difíceis de serem domados (ciúmes, desejo e amor), são
identificados nestes seres pelo boi. Um dos únicos poemas de versos livres, que
talvez para Drummond, tenha sido mais adequada para um boi.
Outros títulos
como “Conversa de Bois” (de Sagarana de Guimarães Rosa), já
trabalharam essa serenidade do animal e sua
pessimista observação acerca do homem.
Memória
O poema revela a
confusão de um individuo que ama algo que já existiu, porém não existe mais. Um
coração que não assimilou ao que se perdeu e persiste em continuar com as
memórias.
Drummond coloca
a palavra “Não” (maiúscula) como uma representação, não apenas
uma negação, mas
uma forma do NADA, do não ser.
A Tela Contemplada
As emoções do
pintor podem ser entendidas quando dito: “sangue vago”, “tédio” e “sem paixão”.
Uma relação forte com o parnasianismo, que
tanto as representações artísticas como poesias revelavam-se frias e
indiferentes às emoções. Mostra-se ciente de sua solidão, e em sua obra elimina
qualquer vestígio de vida animal ou humana
Ser
Em 1926,
Drummond perde seu filho recém-nascido o qual criou grande afeto mesmo sem ter
tido vivência. Na obra, deixa claro que ele continuará em sua memória definitivamente,
“
Às vezes o encontro
num encontro de nuvem”.
Caso não tivesse ocorrido a tragédia, imagina
a possibilidade de seu filho estar se tornando um homem àquela época.
Contemplação do
Banco
Reflexão sobre o
mundo, assim como em poemas neoclássicos, essa reflexão ocorre em determinado
lugar e sobre as coisas que contém nele. Alude e cita algumas vezes um solo
pobre (realidade), onde estão surgindo brotos.
Trecho: “ó
quimera que sobes do chão batido e da relva pobre”, pensamento
considerado
metafórico sendo que a flor pode ser, por exemplo, a transformação para melhor
de um homem, ou talvez um pensamento novo, aberto à novos horizontes,
abrangente em sociedade ou não.
Sonho de um
Sonho
No poema, sugere que está tendo três sonhos
sobrepostos. Sonhou que estava sonhando um sonho. Cita ter sido um sonho que
não acontecia no interior da mente apenas, mas fora desta
uma “realidade”,
como se o sonho não fosse um sonho, “...sonhando, Que não sonhara...”.
Gradualmente, o sonho límpido vai se
transformando em treva, como se estivesse aos
poucos desenganado sua mente e voltando a realidade