segunda-feira, 30 de julho de 2018

Claro Enigma, de Carlos Drummond de Andrade


PARA ENTENDER A OBRA
Claro Enigma
, publicado em 1951, apresenta um poeta desiludido com o mundo, que na época estava dividido entra capitalistas e socialistas, e questionador da existência,  partindo da própria dualidade contrastante como princípio para a dúvida. Seu estilo remonta ao clássico, com métrica e rimas bem trabalhadas. Este resumo destina-se a contar o livro em uma linguagem mais acessível e concisa, sem deixar de lado os episódios que sustentam a obra como um todo e explicando alguns pontos que podem não ficar claros apenas com a leitura do texto original. Em alguns casos, para explanações mais completas sobre fatos históricos e expressões da época, há links que podem ser acessados diretamente no texto. Principais características de Claro Enigma
A obra e o Modernismo:
A linguagem utilizada nos poemas de Claro Enigma é culta, elevada, destoando da proposta moderna de aproximar a linguagem literária da linguagem coloquial, forçando você a consultar o dicionário com frequência.

Da mesma forma, os poemas de Claro Enigma, na sua maioria, retomam as formas clássicas da poesia, como a estrutura de Soneto, os versos com rimas e métricas regulares, além de elaborados recursos linguísticos.

Claro Enigma se caracteriza como uma das obras mais eruditas e herméticas (de difícil leitura) de Drummond. Dessa forma, ter paciência e persistência é fundamental para a abordagem destes poemas, somados à observação do contexto histórico e das características de estilo apresentadas acima.

Claro Enigma é composto por 41 poemas divididos em seis partes.

ENTRE O LOBO E O CÃO
O título “Entre Lobo e Cão”, traduz a ideia de uma luz crepuscular a qual ilumina de  maneira indefinida causando confusão entre os dois animais. Indecisão, sendo que o lobo é um animal que não cria convivência com seres humanos, e o cão por sua vez é um animal companheiro do homem. (Aproximação  x isolamento)  endo a seção mais extensa da obra, Entre Lobo e Cão tem por intenção expor a oscilação, o extremismo: de um lado o cão, amigo do homem, animal domesticado e fiel; do outro o lobo, animal totalmente avesso ao convívio social, altamente desconfiado e predador por natureza. Como se Drummond tivesse a necessidade de escolher entre a companhia e a solidão, a alegria e a melancolia. Os poemas dessa seção trazem grande tom de negativismo, decepção e luto.
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 Dissolução
Em dissolução, é possível extrair um sentimento de imobilidade do eu lírico frente à escuridão. Este recebe a noite sem qualquer perspectiva, um vazio existencial.
Cita uma “rosa pobre definitiva”, entendida como falta de esperança sobre um futuro amanhecer.
Remissão
”Remissão” é sinônimo de “perdão”. O envelhecimento do homem nesse trecho é bem
retratado, o tempo que causa perdas inevitáveis aos seres. Composto por versos decassílabos que revelam um eu lírico descrente e pessimista em relação à sua existência. Vocabulário clássico.
A Ingaia Ciência
A arte poética na cultura provençal era chamada de “Gaia Ciência”, tendo relação com
a alegria de obter a sabedoria. Drummond acrescenta o prefixo propositalmente (INgaia)
mudando o sentido e expressando sua opinião sobre o desprazer que é obter maturidade,
e o quanto isso torna o mundo infeliz. A “cela” citada, é a ideia de um mundo “quadrado”, sem olhar para novos horizontes. Vocabulário clássico e versos
decassílabos.
Legado
Drummond questiona a sobrevivência de suas poesias, falando sobre seu país do qual guarda inúmeras lembranças e de este que nunca se recordará dele. Orfeu, deus da
mitologia grega, é citado em contraste com a aparição “monstros atuais”
que são entendidos como opostos de Orfeu, os quais compreendem poesias como tristes e incertas.
Promove uma intertextualidade com um poema de sua autoria: Meio do caminho. “De
tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma
 pedra que havia em meio do caminho.”

Confissão
Intertextualidade com um dos 10 mandamentos: “Amarás ao próximo como a ti mesmo”. A poesia não pede por perdão, apenas supõe que a f
alta de preocupação com o  próximo trouxe a si mesmo vazio e falta de carinho recebido. Sente peso por não ter criado para si uma realidade mais afetuosa.

Notícias Amorosas
Seção dedicada ao tema romântico, mas focado no amor desencontrado, amor de sofrimento e contemplação, de admiração e dificuldade, o amor que se encontra próximo e distante, facilmente tocável e dificilmente conquistável. É retratado nos poemas como uma condição humana, da qual não se pode fugir, mesmo que aparentemente não seja atraente ou sedutor.

O Menino e os Homens
Dando continuidade ao tom negativo e pessimista, Drummond permeia essa seção com poemas memorialísticos, relembrando irmãos, amigos e entes falecidos. Foca-se o antagonismo da presente no destino do ser humano. A mor e a vida como duas iminentes e antagônicas faces da vida. A morte é retratada como um destino certeiro, ao qual todos estamos condenados desde o nascimento. Nas entrelinhas fica o questionamento do autor: como aproveitar a vida lidando com a proximidade de seu fim?

Selo de Minas
Seção confessamente autobiográfica. Divide-se entre a família Drummond e o Estado de Minas. Traça o percurso dos caminhos mineiros, em especial a Minas existente no período colonial. Lamenta a destruição que as calamidades naturais e o tempo exercem sobre as casas e patrimônios de Ouro Preto, utilizando o desmoronamento das casas como uma alusão à sua própria história.

Lábios Cerrados
O ato de cerrar os lábios é utilizado como sinônimo de mudez, silêncio. Por ser uma seção que retrata a memória da família de Carlos Drummond de Andrade, é visto como um silêncio da memória, em especial nas lembranças de seu pai. Seguindo o negativismo e pessimismo quase enlutado da obra, é feita uma profunda reflexão sobre a aceitação da morte e sua ligação com o tempo, o prometido remédio para todas as dores emocionais e psicológicas. Discorre sobre as pessoas que partiram, mas que sobrevivem eternamente em lembranças. O presente que insiste em estar preso ao passado. A ausência e presença dos conhecidos que já faleceram.

A Máquina do Mundo
Como última seção do livro, discorre sobre o homem e sua estadia no mundo. Todas as interrogações feitas na obra estão presentes nessa seção, onde as soluções são oferecidas e prontamente recusadas, pois para o poeta, ‘são os questionamentos que movem a vida’. Nessa parte do livro encontra-se um poema com o mesmo nome da seção, o qual foi eleito o maior e melhor poema do século XX. Desde a Antiguidade até a Renascença esteve presente a ideia de que o mundo era, de fato, uma máquina. No poema, essa máquina se abre para o autor e lhe oferece uma “total explicação da vida”. Se por muito tempo ele havia buscado respostas para suas indagações sobre a vida, a morte e o mundo, agora desdenhava enigmaticamente do que poderia descobrir. Para Drummond, as respostas não eram mais desejadas, e sequer eram acreditadas como uma possibilidade. Essa explicação era vista por ele como um novo mergulho em uma ilusão, utilizando de sua ironia e liberdade para se justificar e seguir lidando com as indagações que o atormentavam.

Perguntas em forma de cavalo-marinho
O título é metafórico devido ao formato do cavalo-marinho e o do ponto de interrogação que são semelhantes em suas curvas. É feita uma série de questionamentos sobre a própria existência em versos. A primeira estrofe interroga a métrica e forma do ser, diferente da terceira que formam perguntas mais abstratas (memórias e desejos). Versos tetrassílabos.
Os animais do presépio
Composto por versos brancos de 6 sílabas. Possível identificar o eu lírico criando relações com os animais devido aos seus traços de personalidade e enxerga isso como algo positivo. Em certos trechos expressa que quando se limita, assemelha-se à um burro, quando se concentra, à um boi (representa sabedoria, paciência).
Sonetilho do falso Fernando Pessoa
Fernando Pessoa é conhecido pela criação de seus heterônimos (falsas identidades) o que foi exatamente o ponto de critica nesse trecho de Drummond. Oposição de ideias é a composição dos versos (nasci x morri). São chamados oximoros estas contraposições existentes, significados opostos lado a lado, os quais criam um  paradoxo que reforça o significado das palavras combinadas. As trocas de ideias são  proporcionais às trocas de personalidade de Fernando Pessoa. O tal Fausto citado, é pertencente à uma lenda alemã na qual este cede sua alma ao diabo, Mefisto, também citado, em troca de não envelhecer. Pode ser interpretado como uma morte que trouxe a vida, assim como os heterônimos.
Um boi vê os homens
 Neste poema, o boi observa e descreve o homem de uma maneira bem desequilibrada. Aspectos negativos como crueldade, agitação, vazio e sentimentos difíceis de serem domados (ciúmes, desejo e amor), são identificados nestes seres pelo boi. Um dos únicos poemas de versos livres, que talvez para Drummond, tenha sido mais adequada para um boi.
Outros títulos como “Conversa de Bois” (de Sagarana de Guimarães Rosa), já
 trabalharam essa serenidade do animal e sua pessimista observação acerca do homem.
Memória
O poema revela a confusão de um individuo que ama algo que já existiu, porém não existe mais. Um coração que não assimilou ao que se perdeu e persiste em continuar com as memórias.
Drummond coloca a palavra “Não” (maiúscula) como uma representação, não apenas
uma negação, mas uma forma do NADA, do não ser.
 A Tela Contemplada
As emoções do pintor podem ser entendidas quando dito: “sangue vago”, “tédio” e “sem paixão”.
 Uma relação forte com o parnasianismo, que tanto as representações artísticas como poesias revelavam-se frias e indiferentes às emoções. Mostra-se ciente de sua solidão, e em sua obra elimina qualquer vestígio de vida animal ou humana
Ser
Em 1926, Drummond perde seu filho recém-nascido o qual criou grande afeto mesmo sem ter tido vivência. Na obra, deixa claro que ele continuará em sua memória definitivamente, “
Às vezes o encontro num encontro de nuvem”.
 Caso não tivesse ocorrido a tragédia, imagina a possibilidade de seu filho estar se tornando um homem àquela época.
Contemplação do Banco
Reflexão sobre o mundo, assim como em poemas neoclássicos, essa reflexão ocorre em determinado lugar e sobre as coisas que contém nele. Alude e cita algumas vezes um solo pobre (realidade), onde estão surgindo brotos.
Trecho: “ó quimera que sobes do chão batido e da relva pobre”, pensamento
considerado metafórico sendo que a flor pode ser, por exemplo, a transformação para melhor de um homem, ou talvez um pensamento novo, aberto à novos horizontes, abrangente em sociedade ou não.
Sonho de um Sonho
 No poema, sugere que está tendo três sonhos sobrepostos. Sonhou que estava sonhando um sonho. Cita ter sido um sonho que não acontecia no interior da mente apenas, mas fora desta
uma “realidade”, como se o sonho não fosse um sonho, “...sonhando, Que não sonhara...”.
 Gradualmente, o sonho límpido vai se transformando em treva, como se estivesse aos  poucos desenganado sua mente e voltando a realidade

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