domingo, 12 de agosto de 2018

'Minha Vida de Menina' de Helena Morley: Resumo e Análise

Um diário escrito por uma adolescente entre seus 13 e 15 anos, na cidade de Diamantina (MG), no fim do século XIX. É assim que se apresenta a obra Minha vida de menina, de Helena Morley – pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant -, publicado em 1942.
  • A autora
Helena Morley foi uma escritora brasileira que nasceu em Diamantina, Minas Gerais, no ano de 1880. Seu nome de batismo é Alice Daurell Caldeira Brant. Ela frequentou a Escola Normal e no ano de 1900 casou-se com Augusto Caldeira Brant, com quem teve seis filhos. Viveu durante 90 anos, falecendo no Rio de Janeiro.
Foi escritora de uma única obra, Minha vida de Menina, que já foi traduzida para o francês, Inglês e Italiano. Essa obra teve uma repercussão significativa, conseguindo a atenção e a reflexão de importantes escritores, como Raquel de Queiróz, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e outros.
  • A obra
O livro, Minha vida de Menina, trata-se de um diário escrito por Morley durante os seus 13 e 15 anos, mas somente publicado em 1942, quando a autora expressou o desejo de deixar para as netas e parentes suas lembranças e experiências da época de menina, possibilitando-os, assim, a identificarem as diferenças entre a vida atual de sua família e a então vida simples experienciada por ela no passado.
A obra é narrada em primeira pessoa, apresentando uma narradora-personagem que mostra sua visão dos acontecimentos que moviam o cotidiano de Diamantina. Assim, a autora narra sobre festas populares, supertições, causos de parentes, comidas e bebidas típicas, narra sobre a escravidão, sobre o convívo familiar, fala sobre esperanças futuras etc., organizando tudo em uma sequência cronológica, apesar de muitos eventos não terem relação entre si.
Alguns nomes de parentes e conhecidos são trocados por pseudônimos para evitar desentendimento com os envolvidos nos fatos narrados. Assim, o pai, Felisberto, na obra é chamado de Alexandre e a mãe, Alexandrina, é chamada de Carolina.
Além de narrar os fatos, a autora tece também comentários e críticas sobre os acontecimentos, apresentando sua visão de mundo e deixando claro que possui opinião crítica sobre o que lhe acontece.
→ O tempo e o espaço
Os acontecimentos tem como pano de fundo o Brasil entre os anos 1893 e 1985, onde acabava de ocorrer a abolição da escravatura, e a Proclamação da República era ainda um fato recente, quando a autora mostra ser um momento de mudança tanto pessoal quanto nacional.
Assim, é possível verificar em sua escrita a presença de experiências e reflexões sobre a constituição social da época, apresentando o patriarcalismo escravocrata, as regras estabelecidas pela escola, pela igreja, como as relações de trabalho se estabeleciam, a exclusão econômica etc.
Os fatos são narrados, predominantemente, dentro da cidade de Diamantina, Minas Gerais, em fins do século XIX, local onde a autora nasceu e viveu, época caracterizada também pelo declínio do diamante. É, portanto, um espaço que mistura a vida urbana/mineração e a vida familiar, fazendo reflexões desde os conselhos dados pelo pai até as relações sociais, o que mostra o seu processo de constituição feminina.
→ A narradora-personagem
Helena aparece como a própria autora e personagem protagonista de sua obra e traz uma retomada muito próxima dos acontecimentos vividos durante a sua infância. Ela nos revela que o início de seu diário surgiu de um conselho de seu pai para que escrevesse o que lhe ocorria, ao invés de compartilhar com as amigas. Ela mostra, inicialmente, uma insatisfação ao seguir tal conselho, mas, porteriormente, ao viver decepções com quem compartilhava suas experiências, começa a dar razão ao pai.
Dessa perspectiva é possível observar uma personagem observadora e crítica de sua realidade, mostrando, muita vezes, uma visão inconformada dos fatos que circundam sua vida familiar.
Por se apresentar assim, nota-se um processo de crescimento e amadurecimento da personagem, que é influenciado tanto por fatos internos (reflexões, sentimentos, posicionamento crítico) quanto por fatos externos (imposições e regras da Igreja e da escola etc). Assim, há um amadurecimento na forma de pensar, agir e sentir da jovem, que a obriga a encarar os desafios da vida adulta e a assumir as responsabilidades de sua forma de ser.
De caráter inovador, já que, ao pensar sobre seu contexto, Helena propunha-se agir para modificá-lo, ela é vista muitas vezes como alguém que está além de seu tempo, pois ironiza, critica e se sente inconformada com o que lhe ocorria. Com isso, o leitor tem a possibilidade de participar de sua evolução, percebendo as mudanças em sua visão e atuação no mundo.
→ Estrutura Textual
O gênero narrativo diário é caracterizado por uma estrutura que apresenta fatos cotidianos muito próximos do momento que ocorreram, ou seja, é uma reconstituição de experiências do dia a dia do narrador. Assim, esses fatos muitas vezes não possuem relação entre si e podem, inclusive, ficar inacabados, mostrando uma narrativa que se aproxima mais do momento presente da ação.
O diário é o interlecutor do narrador-personagem, mostando sua existência e confidência.
Possui, como princípio para a escrita, uma data que o caracteriza como caderno de anotações e, por isso, a narrativa mostra maior precisão e fidelidade no registro dos fatos.

Personagens – ‘Minha Vida de Menina’


Alexandre – pai de Helena.Trabalhava na lavra de diamante, o que não dava muito lucro. Neto de inglês, o pai adota uma ética protestante, não censura, apenas aconselha.

Aurélia e Conrado – tios de Helena, abastados financeiramente. A menina sente inveja de seus primos porque eles não precisam fazer tarefas domésticas, podem apenas estudar. Mas, quando lembrava do enojamento da casa deles, deixava de lado essas ideias.

Carolina – mãe de Helena. Extremamente apegada ao marido, não tinha pulso firme com as crianças. Possui o ‘riso solto’, assim como as meninas. Em matéria de religião é fervorosa. É trabalhadora e possui certa consideração social.

Geraldo – tio de Helena. Filho mais velho e predileto de D. Teodora. Tem situação financeira muito boa, o que faz ser visto como orgulhoso.

Helena – autora do diário. Branca, alta, magra e esfomeada. Era chama de águia pelas tias, isso porque era manipuladora. Muito independente, a menina também é irônica, desafiando a ordem patriarcal vigente. Nem a igreja é perdoada, já que ela critica padres fofoqueiros.

Helena não constrói uma imagem boazinha de si. Seu caráter não é perfeito. Aproxima-se do anti-heroísmo pícaro. ‘Ela é individualista, familiar, rebelde, esclarecida, amiga dos festejos e alérgica a disciplina, critica a superstição, as fumaças de grandeza e o preço dos preconceitos e ignorância’. (Palavras de ROBERTO SCHWARZ).

Luisinha – irmã de Helena. Não tem voz na narrativa. Apelido: pamonha.

Madge – tia de Helena, irmã de seu pai. Sempre dá livros para sua sobrinha, tentando passá-la uma educação britânica, no entanto a menina não absorve as lições morais. Protege Helena, mas ainda a vê como menina, quando esta quer ser vista como moça.

D. Teodora – avó de Helena. Tem 83 anos no período do diário. É proprietária rural, possui muito dinheiro e vive ajudando os pobres. É obesa e tem enormes dificuldades de locomoção. Tem autorização do padre para acompanhar da residência os sacramentos, o que revela sua importância social.

Análise Crítica

Minha vida de menina faz um sincretismo entre as propostas das literaturas das décadas de 1890 e de 1930. Cumpre o ideal do Realismo, de olhar sem idealização para a sociedade. E realiza o desejo do Modernismo de abordar, em linguagem despida de formalidade, a identidade nacional.

Linguagem – a obra possui uma linguagem familiar, marcada pela afetividade e por expressões como “Valha-me Deus”, ou “A quem você saiu com estas ideias…”. A característica dessa linguagem é a que a narradora expressa o comportamento linguístico de cada uma das pessoas que vive ao seu redor.

Metalinguagem – recurso constante na obra. Ato de falar sobre a própria escrita. “Eu estava com a pena na mão pensando o que havia de escrever, pois há dias não acontece nada”.

Pobreza – Helena mostra sinais de pobreza tanto na sua família quanto na sua cidade, Diamantina.

Escravismo – Helena escreveu escreveu seu diário em um período imediatamente posterior à Abolição da Escravatura. O livro mostra que o regime foi abolido por lei, mas não na memória dos brasileiros. A notícia chega à Chácara de Dona Teodora, os negros fazem uma enorme festa, mas D. Teodora intervém acabando com a algazarra, exigindo respeito na sua propriedade, lembrando que a liberdade viera para ela. E ainda disse que quem quisesse farra que fosse procurar seu canto. Os festejantes pediram desculpas, permanecendo a trabalhar para ela.

Racismo – o livro mostra inúmeros casos de racismo. Siá Ritinha vive impedindo que Helena brinque com ‘colegas escuras’. Mas a menina parece ter simpatia com os negros:

“Como se pode ser tão bom como o nosso professor Dr. Teodomiro. Depois meu pai ainda diz que a gente escura não presta. Na Escola, pelo menos os melhores são ele e o seu Artur Queiroga. Os brancos são crus de ruindade.”

Da mesma forma sua mãe, que reclama pelo fato de Helena querer cuidar da filha de um criada. “Penso que se a menina fosse branquinha mamãe não se incomodaria”.

Religiosidade – o catolicismo marca o caráter brasileiro. E religião é vista como salvação, literalmente. Nos momentos de desespero econômico ou acadêmico (obter notas), recorre-se a rezas e novenas.

Superstições e Crendices – o livro traz uma infinidade de superstições e mostra a força das crendices em nossa sociedade. “Todos sabem que superstição é pecado, mas preferem levar o pecado ao confessionário a fazerem uma coisa que alguém diz que faz mal”.

Provérbios – os ditados populares são muito utilizados. Ex: ‘Quem dá aos pobres empresta a Deus’, ‘Os dedos da mão não são iguais’, ‘Casamento e mortalha no céu se talha”.

Desejo de Ser Homem – Helena é apaixonada pela liberdade, mas se sente barrada por ser menina. Quando a menina conta que uns rapazes fizeram maldades na festa que sua avó deu aos empregados ela diz: “eu desejei ser um homem para me vingar por vovó!”.

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